Céu e inferno: estilos de uma vida
Quando criança, ocupava-me fazendo buracos no chão.
Buscava encontrar as profundezas, entender o obscuro, entender o desconhecido.
Talvez, curiosa em saber o que havia do outro lado, em saber como as pessoas viviam, quando saiam da zona de conforto em que eu me encontrava, procurava insistentemente respostas.
Vivia no meu céu, meu paraíso.
Minhas roupas comportadas, meu cabelo arrumado, o aroma da comida caseira.
O cheiro do amor, e os passeios aos sábados as reuniões aos domingos .
Missa pela manha, casamento à noite e um beijo de boa noite.
O abraço da mamãe, o carinho o papai, o sonho de casar.
O conforto da família, a música calma, o correto para alma.
Cresci, casei, e no meu paraíso particular continuei.
O café forte para agradar, as surpresas para aguçar, o carinho para continuar.
Para o lado eu não ousava olhar, meu paraíso eu não podia abalar,
A vida era instável demais para eu desperdiçar.
Não entendia como as pessoas podiam viver longe desse estereótipo de perfeição.
Desse padrão de agnição.
Longe do paraíso e sua repetição, com o inferno e sua concepção.
Era feliz, neste paradigma de família, trabalho e religião.
De enfeites, prazer e gratidão.
Vivendo o sim como resposta para o não.
Porem, aos poucos sem perceber
A confusão tomou conta do meu ser
E como a princesa, que do castelo foge para o mundo conhecer
Deixei o inferno me envolver
Fui sentindo os seus gostos e afeições
Seus prazeres, crenças e relações
Cada vez mais longe da e união
Vivendo a reforma da intuição
Sem certeza do que era sim e do que era o não
As festas, amigos e diversão
Deste outro lado, nessa outra intenção
Traziam paz ao meu coração
Como se os loucos viessem para confundir os sãos
Será que fui enganada, vivendo naquele senão?
Ou seria relativo o que era bom ou não?
Descobri que verdadeiros amigos não existiam apenas numa outra dimensão
Que por algum tempo vivi a ilusão
De uma única via, de uma única mão
E que nada na vida é formado com tamanha exatidão
Que mesmo longe do que chamam perfeição, há perfeição
E o bem e o mal dependem muito da própria reflexão.
( Val )